sábado, 2 de maio de 2009

Sade, Masoch e uma pitada de Narcisus

Vão para o diabo sem mim, ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que haveremos de ir juntos?

Álvaro de Campos



Cada vez mais me convenço de que as pessoas gostam mesmo é de sofrer e de fazer sofrer os outros. Corremos a vida jogando numa ou noutra equipa, conforme as fases da Lua ou o sabor das marés. Sádicos e masoquistas? Se concordarmos que os masoquistas são uma sub espécie de sádicos, então só existe mesmo uma espécie na terra.

O masoquista será um sádico estúpido ou um sádico solitário? Sádico porque tem prazer em infligir sofrimento, estúpido porque o inflige a si próprio em vez de ao seu semelhante. Solitário porque, não havendo ninguém por eprto apra massacrar, vira-se contra si mesmo. Estúpido, na mesma! Podia inventar outras brincadeiras como cortar bonecas aos bocados, mas aí a coisa complicava-se...Todos sabemos o que dá brincar com bonecas. Podia transformar-se num sado-masoquista homossexual ou num serial killer sado-masoquista. E se a opção sexual de cada um é lícita e digna de respeito, já o prazer de tirar vidas o não é.

Uma coisa que me aflige especialmente é o masoquismo emocional gregário que todos nós, mulheres e homens, vivemos de moto próprio diariamente. Vamos aos magotes ao cinema, em especial as camadas mais jovens. As mulheres vão ver filmes para chorar, daqueles em que a heroína morre de cancro ao sétimo round ou de dor de alma porque o sádico do namorado a trocou pela avó da mãe da melhor amiga. Depois, nós mulheres detestamos que nos vejam chorar (excepto para impressionar um namorado) e sofrer, e toca a limpar as lágrimas no escuro às pontas dos dedos, às mangas do casaco, às pipocas. Ficamos com o coração a palpitar na garganta, a impedir-nos a respiração. Queremos rebentar em soluços mas aguentamos estoicamente. Porque as nossas lágrimas não são pela triste heroína, mas pelas nossas tristezas que o filme desenterra nos nossos corações. Claro que ninguém apanha um homem numa coisa destas, a não ser que esteja muito masoquistamente apaixonado. São coisas de que eles fogem a sete pés e mãos, inventando as desculpas mais velhas do mundo: levar o cão ao veterinário, tratar duma unha encravada da tia Alice ou aspirar o carro. Ah, mas eles também têm o seu masoquismo gregário. Ah, pois têm! Não tem a ver com as emoções mas com a testosterona. O homem sofre do síndrome masoquista do futebol, vão em magotes ao estádio, sofrer em conjunto, gritar a plenos pulmões e se for possível fazer um arraial de porrada de claques em conjunto. Quanto mais abaixo da tabela está a equipa, mais lhes apetece ver o jogo. E gritam, e pulam e ofendem a mãe do árbitro. Ou então vão ver filmes de porrada e de terror. Cada sexo é masoquista à sua maneira.

Contudo a maior demonstração de sado-masoquismo voyeur é a curiosidade mórbida das pessoas (homens e mulheres incluídos) em enfiar o nariz na cena dum acidente. Quanto mais sangue e membros estropiados, mais o pessoal geme, mas olha! - Ah, Olha! Está ali alguém encarcerado no carro! Xi, está todo partido! (Sádico) - Oh, que horror! O homem não tem cabeça... Mas para que é que eu olhei? (Masoquista).

E que dizer dos sádicos engraçados, os das anedotas sem graça que sabem não ter graça mas que contam na mesma? E contam porque têm à sua volta um grupo de masoquistas que riem sempre, flutuando cheios de felicidade numa piada gasta e dolorosa.

O masoquista chora porque gosta de chorar. Um dia sem dor ou sem lágrimas é um dia perdido. O masoquista precisa de sentir dor para saber que está vivo. Às vezes são geniais e viram artistas que só pintam, escrevem ou compõem no sofrimento.

O sádico ri-se quando não pode e não deve e solta gargalhadas com o que ninguém acha graça. Invariavelmente acabam na gestão de multinacionais ou na política. Porque o sádico tem um trunfo na manga que o faz desanuviar perante o infortúnio do desgraçado que ficou desfeito e encarcerado num monte de sucata na estrada. O sádico alivia-se com o óbvio estridente e eficiente "Dasse", com F, claro. O que o deixa pronto para a próxima vítima, a próxima desgraça, sempre seguindo em frente.

Já o masoquista solta um ai, que mais parece um uivo de lobo ferido e passa o dia a matutar no que viu. Ou então, vira sádico e começa a contar aos colegas o sucedido, com requintes de malvadez e pormenores em technicolor e em relevo.

Falta falar nos sado-masoquistas intelectuais que depois de lerem dirão: - Então e os primórdios do sadismo? O bom Marquês de Sade? E não se fala de Masoch? Bom, esses que se googlem. Têm lá toda a informação para defenderem uma tese.

Ah, falhei os narcisistas, eles próprios uns masoquistas de fina espécie, de acordo com a classificação freudiana. Eles são tudo. Eles são os maiores. Eles querem tudo entregue em bandeja de prata no alto do seu pedestal espelhado. Farão seja o que for para se manterem no alto e serem servidos.

Masoquistas e sádicos, por favor unam-se contra os narcisistas! Ou seremos todos alienados e com bondage (amarrados e imobilizados!), mas é que não tarda nada! Termino com uma história. Não tem graça, não é anedota, sobretudo porque eu adoro gatos ou qualquer outro animal, mas diz muito da filosofia da coisa...

Um zoófilo, um sádico, um assassino, um necrófilo, um piromaníaco e um masoquista estão sentados num banco de jardim, dentro dum sanatório, sem saber como ocupar o tempo.
O zoófilo diz:
- Então, vamos violar um gato?
O sádico responde:
-Vamos violar um gato e depois torturá-lo!
O assassino completa:
- Vamos violar um gato, torturá-lo e depois matá-lo!
O necrófilo continua:
- Vamos violar um gato, torturá-lo, matá-lo e depois violamo-lo outra vez!
O piromaníaco acrescenta:
- Vamos violar um gato, torturá-lo, matá-lo, violá-lo outra vez e atear-lhe fogo!
Segue-se um silêncio, todos olham para o masoquista e perguntam:
- E agora?
Então o masoquista diz:
- Miaaau!