domingo, 21 de novembro de 2010

Matemática, ou o bater de asas da borboleta

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Te amo, sem refletir, inconscientemente
irresponsavelmente, espontaneamente
involuntariamente, por instinto
por impulso, irracionalmente
de facto não tenho argumentos lógicos
nem sequer improvisados
para fundamentar este amor que sinto por ti
que surgiu misteriosamente do nada
que não resolveu magicamente nada
e que milagrosamente, pouco a pouco, com pouco e nada,
melhorou o pior de mim.
Te amo
Te amo com um corpo que não pensa
com um coração que não raciocina
com uma cabeça que não coordena.
Te amo incompreensivelmente
sem perguntar-me porque te amo
sem importar-me porque te amo
sem questionar-me porque te amo
Te amo
simplesmente porque te amo
eu mesmo não sei porque te amo...

Pablo Neruda
Te amo


Hoje apetece me falar de matemática. Daquela equação das nossas vidas que surge, invariavelmente com varias incógnitas, que muitas vezes não conseguimos resolver, por mais experientes matemáticos que sejamos. Pior, a que muitas vezes voltamos costas. Desistimos. Por medo. Pois é isso mesmo. Estou a falar de amor. E do desamor a que o votamos. Do amor que nos apanha numa esquina da vida, desprevenidos, desprotegidos e tão alheados como um recém-nascido. E o nosso caminho, ao invés de chegar a um fim, tem um recomeço.

Falo do amor que surge assim quando menos esperamos e nos vem testar como seres humanos, abalar os nossos alicerces e as nossas crenças instaladas, o nosso solitário comodismo, os nossos hábitos entranhados e poeirentos. O amor que vem testar a nossa capacidade de sermos felizes. De evoluir. De mudar de agulhas. De nos tornarmos melhores. Para nós e para os outros. Parece tão fácil...

Eu disse fácil? Pois não é. Esperem p'ra ver, quando um amor chocar convosco na próxima esquina da vida. Quando o amor nos bate á porta, começamos a acartar tijolos. Tijolos, isso mesmo. Para construirmos um muro bem grande entre nós e quem nos veio desassossegar. Pior ainda, é quando os tijolos são colocados á volta do coração, e tentamos nos esquecer que ele existe. Ao mesmo tempo, a cabeça vai-se impondo, de mansinho, como quem não quer a coisa, subrepticiamente, e arranjar mil e um estratagemas para nos acender uma luzinha vermelha de perigo bem á frente do nariz para nos obrigar a arrepiar caminho. Vamos boicotando o coração sem darmos por isso. Porquê? Para quê? Por que raio é que perdemos tempo a tentar tirar da cabeça o que não pode sair do coração? Não há garantias de que dê certo. Pois não há. Mas isso acontece em todas as áreas da nossa vida.

A vida é um circo, mas nós trabalhamos sem rede. Sejamos os palhaços ou os espectadores, os domadores ou até mesmo as feras, nenhum de nós pode ter garantias do que quer que seja. E quem as quer? Se pudéssemos saber de antemão tudo o que nos aconteceria no instante a seguir nas nossas vidas, isso teria alguma graça? As escolhas é que são sempre nossas, mas a escolha deve seguir o coração, que certamente conseguimos ouvir mesmo através dos tijolos, tal é o seu poder. E a coragem é nossa, de o seguir, de escolher. Cumprindo os nossos sonhos, sem impedir o sonhos dos outros. Porque o amor também é liberdade. Como diria o poeta Quintana: "Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela." Grande verdade, com muitas interpretações. Cada um que escolha a sua. Penso que o que o poeta quis dizer é que precisamos de alguém que venha para nós, de mãos vazias mas de coração cheio. Que esteja bem consigo mesmo, de vida arrumada para ter lugar para outra pessoa, sem desesperos e procuras errantes e que tenha deixado o passado para trás.

Porém, muitas vezes, quando as almas se encontram, ou não se reconhecem ou não têm a coragem de mudar a sua vida de forma a acolher aquele amor, com medo de ser uma passagem, uma ilusão. Segundo uma teoria popular, daquelas que a inteligência humana prontamente cria para explicar os grandes fenómenos científicos a leigos, o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão ou qualquer outra catástrofe do outro lado do mundo. Obviamente é uma alegoria que tenta explicar as condições iniciais da teoria do caos.

O amor é caos. E às vezes tão imprevisível! Mas as maiores variáveis afinal somos nós que as introduzimos, só para complicar a equação. E depois, ainda há aquelas borboletas que escondemos na barriga e que quando alguém as espanta, batem as asas sobre o nosso umbigo, provocando um friozinho no corpo, um arrepio pela espinha acima, um galopar apressado do coração e claro, os efeitos aleatórios que antecedem uma explosão de paixão entre dois amantes. Isto também é a teoria do caos... Por isso nós fugimos tanto. O facto, é que a vida nos marca encontros, ainda que isto possa parecer de alguma forma o destino ou a manipulação de Deus, ou outra qualquer força esotérica, trata-se indubitavelmente de uma conspiração do universo entrelaçando os seus caminhos para que duas rotas se cruzem. Uma sofisticada equação matemática, ou física, ou o chamado efeito borboleta, em que as asas do universo batem, e há uma colisão entre dois seres algures...

Não é a gravidade da terra que nos faz apaixonar. é a lei da gravidade das almas que nos faz cair dentro dos olhos do outro e mergulhar fundo na sua alma e coraçao. Quando isso acontecer, não estejam à espera do momento ideal ou que o outro dê o primeiro passo para manifestar esse amor. O tempo certo é quando piscamos os olhos de alegria , quando as pernas tremem como se bebessemos champanhe e quando o coraçao desata a cavalgar mais depressa na presença do ser amado.
 
"O amanhã nunca morre, de facto, mas lembremo-nos de que o amanhã pode nunca chegar. (PW)"

Estação da Perda

"Do not run through life
so fast that you forget
not only where you have been
but also where your are going
.../..."

Pravsworld

Temos alturas na vida em que parece que caminhamos sob o sol, outras em que supostamente há uma nuvem privativa sobre a nossa cabeça (qual desenho animado) e que em qualquer momento vai chover e trovejar em cima de nós, (só de nós!).

Temos momentos em que talvez nos apetecesse virar bela adormecida (Hélas! Sem príncipe nem sapo que nos contente!) e ficar assim durante o tempo necessário para que tudo o que nos causa dor passe, e outros ainda em que nos apetece deixar de existir. Ter uma vara de aveleira, sacudir, fazer puuuff e desvanecer no ar.

Que devemos fazer nestas alturas, em que a comichão nos ataca a alma e a raiva nos corrói o coração? Em que somos nós contra o Mundo e todo o mundo? Fugir para outro país? Não chega, é perto. Mandar parar a Terra porque queremos descer? Desiludam-se, o mundo não pára por ninguém, nem dá prioridade a quem pensa que é a sua maior atracção. Comer até rebentar de gases? Incómodo, ruidoso e doloroso. Serrar o vizinho ao meio com a faca de cortar pão? Sangrento. Sair para a rua e dar um estalo no primeiro que aparecer com uma cara que não gostamos, em especial os que nos parecem felizes? Ou ser generosamente pérfido e distribuir pontapés a eito? Pode ter consequências perversas no reverso da medalha. Com a nossa sorte do momento, ainda nos sai um 3º dan em artes marciais. Mas apetece às vezes, não apetece? Começar uma discussão com alguém de quem gostamos? Não, não é para embirrar, é só para nos sentirmos vivos e confirmar que ainda há alguém que nos ouve e nos liga. Arrepelar cabelos de qualquer sítio do corpo? E pegar fogo no mundo, nunca vos apeteceu?

De vez em quando erramos o comboio e saímos na estação da perda. E voltar a sair de lá é que é o diabo. Dói que se farta. Não são apenas dores. É crescimento. E crescer, toda a gente sabe, dói imenso. Medimos a vida em dias, meses, anos… Mas a alma às vezes tem pressa e quer tudo já. Ontem, já era tarde. Por isso nos enganamos na estação.

Mas, porque é que medimos o tempo? Porque é que a matemática da nossa vida se limita a contar anos, nãos, fracassos, desamores, traições, infelicidades, pernas e cabeças partidas, feridos e mortos? Porque não passamos a contar também amores, alegrias, beijos, abraços, sorrisos, amigos? Porque não medimos também a vida pelo que sentimos de bom ao invés de contar somente maldades? Porque passamos a vida a pensar que somos espectadores e esquecemos que estamos no palco? Façamos como o poeta*, quando nos perguntarem que idade temos, vamos responder: “tenho três amigos, oito paixões, quatro tristezas, três grandes amores e dezenas de prazeres”. Prefiro ser a mão que pinta do que a tela em branco, a voz que canta do que a pauta com a melodia, a actriz do que a espectadora na minha vida.

Quantos anos tenho? Poucos mas bons amigos, uma paixão, um amor triste, um grande amor pequenino, um amor que procuro e nao encontro mas é grande e vem decerto de muito longe, cinco grandes saudades, e muitos muitos prazeres.

*Mário Quintana é o meu poeta