sexta-feira, 25 de maio de 2012

E se fosse hoje?


Todas as manhãs, em África, ao nascer do sol
uma gazela acorda sabendo que tem de correr mais que o mais rápido leão,
ou será caçada até à morte...
Quando nasce o sol,
um leão acorda sabendo que tem de correr mais depressa que a mais lenta das gazelas,
ou morrerá à fome...
Não importa se és uma gazela ou um leão,
quando o sol nascer,
corre o melhor que puderes!
When The Sun Rises In Africa, 
in Prav's World 


Se soubéssemos antes que a morte viria... Teríamos amado mais? Escolheríamos a vida que queríamos? Teríamos falado mais de amor e menos de rancor? Teríamos escolhido ser felizes mais vezes? Teríamos sido fiéis a nós próprios, ao invés de sermos quem os outros esperavam que fossemos? Teríamos seguido o mesmo caminho, com as mesmas pessoas? Teríamos deixado partir aquela pessoa especial?

E se a malvada viesse com a foice hoje, agora mesmo atrás de nós, sem aviso, como quem corta ervas daninhas pela base?O que diríamos a Deus ou aos que já tivessem partido antes e nos viessem acompanhar na jornada?

O que diriam de nós os que ficavam? Aposto que todos nós teríamos imensa curiosidade em saber quem nos acompanharia à última casa. Quem nos choraria somente de dor e saudade e não pela lembrança da sua própria mortalidade? Quem se lembraria de facto de nós, uma anedota, uma lágrima, um gesto, um abraço, uma palavra, e não apenas que também um dia estaria ali estendido com o mesmo ar pálido e ausente?

Se fosse hoje... O que deixamos para trás? Um milhão de euros para a família brigar ou um milhão de beijos e abraços que serão lembrados por outras vidas?

Na nossa vida ceifada abruptamente, tivemos algo ou alguém por quem estaríamos dispostos a morrer? Dissemos "amo-te" mais vezes do que "o raio que te parta"?

Será que alguém nos vai perguntar estas e outras coisas do lado de lá do rio da vida? Temos respostas?

Morrer cedo devia ser probido. É transgressão. Mas também, para quem morre é sempre cedo.

Estamos a viver como quem sabe que a malvada pode nos ceifar daqui por um minuto ou como se fossemos eternos e donos do tempo?

Tenhamos a coragem de viver, já que qualquer um pode morrer!



Para uma amiga que decidiu ir cantar com os anjos. Cedo demais.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

30''

O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que tem medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é eterno.

William Shakespeare
 
 
 
Há alguns meses atrás, alguém me perguntava: o que é que podemos fazer em trinta segundos? O que nos pode acontecer em trinta segundos? Não parece muito tempo, pois não? É mais um exemplo da teoria da relatividade. Experimentem suster a respiração durante 30 segundos. Experimentem sentar-se no bordo duma lareira acesa. Ou então conversar com alguém interessante, mergulhar em água quente depois de encharcados pela chuva, durante 30 segundos. Aposto que o vosso conceito de tempo diverge numa e noutra situação.


O que é que podemos fazer em trinta segundos?

Correr 100 metros.
Saborear um copo de vinho.
Fazer uma sandes.
Partir um braço.
Ir à casa de banho.
Fazer um café.
Ter um choque de emoção ou de susto.
Ter um ataque de asma.
Detonam bombas em trinta segundos.
Nascem bebés em trinta segundos.
Doenças são transmitidas.
Há um tremor de terra algures.
Pintar as unhas.
Parar de lutar?
Abraçar alguém.
Há uma descarga de adrenalina em 30 segundos.
Em 30 segundos, escrevemos uma frase dum poema.
Fazer um desenho.
Afagar um animal.
Agradecer.
Salvar uma vida.
Tirar uma vida.
Plantar uma árvore.
Mundos colidem em trinta segundos.
Pessoas também.
Cai um meteorito em 30 segundos.
Olhos caem nos olhos.
Dá-se um beijo.
Apaixonamo-nos.

É a mão do destino? Uma nova oportunidade? A foice de Deus talhando a vida das suas marionetas? Um cupido tosco e atrevido? Um anjo brincalhão entrelaçando caminhos?

A nossa vida pode mudar em trinta segundos. Ou até em menos. As vidas são feitas de muitos segundos. A minha já ultrapassou um bilião. Infelizmente, a maioria de nós não ultrapassará os dois biliões e picos. E o que é que fizémos de todos estes segundos que já vivemos? Mais importante ainda, o que é que retendemos fazer com os que nos restam?As vidas são feitas de muitos segundos. E apenas uns poucos são precisos para fazer a diferença numa vida.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

As almas partidas

Almas gêmeas.
A minha geme e a
outra não se acalma.

Rogério Viana



Há alguns anos, mal a minha filha sabia falar, muito menos contar ou ter a noção dum valor numérico, disse-me ao ouvido que já gostava de mim há dez mil anos.

Quantas vezes me virei na rua para voltar a olhar alguém que sei que não conheço mas que reconheci? Andei anos a querer visitar uma determinada cidade do outro lado do mundo, sem saber porquê, o que me atraía, o que me chamava. Quando lá cheguei, reconheci lugares e senti-me como quem regressa a casa.

De onde nos vêm estes sentimentos, estas emoções súbitas e desconhecidas?

Há quem diga que o nosso destino é traçado muito antes de nascermos, por nós próprios e por aqueles que amamos. Cada uma de nossas vidas é uma lição. Nossa ou dos outros. Nem sempre conseguimos perceber qual o intuito de algumas das perdas, das lutas e das dores por que passamos. Nem sempre entendemos que, por cada buraco que nos escavam no coração, importa celebrar o vazio e que o nosso dever é aprender a preenchê-lo, seja com saudade, seja com amor e entrega à vida, aos restantes segundos que ainda temos por viver.

Sejamos os professores ou os aprendizes, a verdade é que acredito em almas gémeas, pedaços de nós. Acredito também que temos mais do que uma e que amamos a todas de forma diferente com um mesmo amor, como se a nossa alma original tivesse sido partida em vários bocados e fossem lançados na vida como sementes, com tempos de germinação diferentes, com tempos de vida distintos. De vez em quando, encontramo-nos com uma ou com outra, ou com várias. Lutamos, discutimos, amamos, ficamos juntas, viramos costas, somos pais, filhos, amantes, tudo no mesmo processo kármico. Almas gémeas reconhecem-se. Em trinta segundos? Talvez menos, talvez mais.

Quando eu nasci, mandou um anjo que eu me esquecesse de todos os meus pedaços de alma. Colocou um dedo sobre os meus lábios e pediu silêncio. Guardo nos lábios a marca do seu dedo, mas não cumpri o que prometi. Não esqueci. O anjo esqueceu que o coração dá um nome às coisas na despedida. E que nos reencontros da vida, enche-se a alma do nome do ser amado e o passado, o presente e o futuro convergem num mesmo instante.

Desobedeci. Dei um nome ao último beijo, ao último abraço, à última palavra que os meus pedaços de alma me deram na despedida, antes de nascer. Eis que um surge do nada, e que tudo começa... Não, que tudo recomeça por brincadeira, por acaso ou premeditação. E às vezes trinta segundos bastam para reconhecer alguém que nos recusámos a esquecer.



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Onde estão as Princesas que "foram felizes para sempre"?

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
.../...
Eros e Psique
Fernando pessoa


O que é que aconteceu depois de “E foram felizes para sempre”?

Era uma vez…

Não. Não gosto do “Era uma vez…” Esta incerteza temporal mas definitivamente no passado nada me diz. Não se pode mudar, já aconteceu. Ponto final. Adiante.

Recomecemos.

E se…

Assim está melhor. O “E se…” ajuda-nos a tentar ver as coisas de outra forma, contornar a questão e dar largas á imaginação, mudar o argumento, o final, os personagens até.

E se as princesas dos filmes Disney existissem hoje? Onde estariam? O que lhes teria acontecido? E se a história que nos contaram e nós contámos também, não fosse exatamente assim? Ainda se lembram delas? Conheço-as porque mas apresentaram em miúda e, em graúda, a maternidade fez-me regressar a estas pseudo-heroínas. Alguma vez pensaram no que escondem debaixo daqueles vestidos sumptuosos de seda, o que guardam tão ciosas dentro dos corpetes que lhes cingem as cinturinhas de vespa? Que mensagens subliminares nos trazem do reino do faz de conta? E para onde foram quando envelheceram? O que fizeram da vida ou o que deixaram que a vida fizesse delas, depois do “E foram felizes para sempre”?

E se a Cinderela não tivesse ouvido o badalar da meia-noite? E se de repente as suas roupas desaparecessem e ficasse nuinha no meio do baile? E se todas as outras mulheres, num repente de ciumeira, também se despissem?

E se a madrasta da Branca de Neve tivesse comprado o veneno da maçã numa loja de chineses e a Branca de Neve apenas sofresse uma bruta diarreia, como é que acabava a história?

E se a fada que os pais da Bela Adormecida esqueceram de convidar para a festa, em vez de veneno na roca de fiar tivesse levado pó de anjo para aquela gente toda?

E se o príncipe esquecido da Pequena Sereia em vez de se apaixonar por ela se apaixonasse pelo Polvo (bruxa)?

E se Rapunzel tivesse decidido cortar as suas tranças, por onde subiria o príncipe para o seu quarto?

Sou só eu que penso assim ou estas histórias de Grimm, de Andresen, de Perrault, ou lendas contadas à lareira passando de geração em geração, mais parecem contos de terror? Muito embora as partes mais arrepiantes destes contos, ditos infantis, tenham sido ocultadas dos filmes de Disney e dos livros, a verdade é que há muito de horripilante neles, pouco adequado para contar às criancinhas. No original dos irmãos Grimm, a madrasta da Branca de Neve é obrigada a dançar no seu casamento com chinelos de ferro quentes, até morrer, isto depois de a ter tentado sufocar com uma faixa apertada na cintura e envenenar com um pente cravado na cabeça, para não falar da óbvia maçã. E que dizer do canibalismo desta senhora ao pedir o coração da enteada para o comer? Também no dia do casamento (os casamentos dos contos de fadas são o fim da história, mas têm muita animação), as irmãs da Gata Borralheira (Cinderela) têm os olhos picados por pombas (lembro-me dos pássaros de Hitchcock), e para poderem calçar o dito sapatinho há uma mutilação dos seus dedinhos dos pés.

Para além do terror macabro, canibalismo, crueldade, há ainda a componente sexual destes enredos: o óbvio lobo e o Capuchinho Vermelho no diálogo célebre das orelhas, dentes, nariz e boca grandes que termina no duvidoso “Para te comer” e o príncipe da Rapunzel que sobe pelas louras tranças todas as noites ao seu quarto para lhe levar seda para ela fazer uma escada. Ai os meninos…

Encontro mais estereótipos nestes contos do que propriamente uma moral a ter em conta, a não ser obviamente uma moral já démodé em que todas são boas demais para serem humanas. Todas estas princesas e meninas ricas são lindas de morrer, tez aveludada, olhos brilhantes, cabelos sedosos, corpinho frágil e elegante, o culto da beleza feminina por excelência, as barbies do século passado. E todas duma candura e virtude à prova de pecado, mesmo nas piores circunstâncias (exceto Rapunzel que engravida com as visitas noturnas). Sempre os critérios de beleza e bom comportamento feminino, passivo, claro está. Enquanto algumas são boas donas de casa (Branca de Neve cozinha e arruma a casa dos 7 anões e a Gata Borralheira é o que sabemos), outras são a imagem da senhora que tem quem lhes faça tudo (Aurora, a Bela Adormecida para além dos criados ainda tinha 3 fadas madrinhas). Não se lhes concede vontade, arrojo, atitude. Até à Pequena Sereia, Ariel, nenhuma destas heroínas insossas reage por si própria, nenhuma delas enfrenta ou escolhe o seu destino. E então, surge a pequena Ariel que se rebela contra o seu próprio reino, abandona a sua vida anterior de princesa, perde a cauda de sereia e ganha pernas, corre o risco de se afogar, perde a sua voz de encantar e… Para quê? Por um badameco que se esquece dela e não a reconhece. Espírito de sacrifício ou estupidez emocional? Somente Bela, Pocahontas, Mulan, Jasmine (Aladino) parecem impregnadas de mais atitude e inconformismo perante a adversidade, o infortúnio e o destino, mas…

Por outro lado, todas elas duma forma ou doutra acabam por entrar na família “Encantado”. Os príncipes até podem ter nome, mas são sempre Encantados. Não sei porquê. Alguém os fadou? Têm encantos? Atributo não será, certamente, portanto deve ser nome de família. Nenhuma das moçoilas se casa com plebeus, lenhadores ou anões. Os consortes (sortudos ou não) são reis e príncipes abastados e poderosos. Nada abaixo desta condição.

Na verdade, o que é que estas princesas ensinam às nossas crianças? O que diriam se as escutássemos? Que conselho ouviríamos das suas vozes melodiosas se elas pudessem falar?

Bela Adormecida – As meninas bonitas até a dormir encontram um príncipe encantado.

Jasmine – Não interessa se és inteligente, bonita ou não tens atributos. Como mulher, o teu valor político é proporcional à tua probabilidade de fazeres um bom casamento.

Cinderela – Se fores suficientemente bonita, pode ser que escapes ao infortúnio, às más condições de vida, arranjando um homem rico que se apaixone por ti.

Branca de Neve – A beleza pode ser uma coisa tão terrível que faça com que as outras mulheres te queiram matar por inveja e ciúmes. Mas não te preocupes, assim que a tua beleza atrair um homem, ele te protegerá.

Ariel – É lícito abandonares a tua família e mudares drasticamente o teu corpo, abdicares dos teus talentos, para conseguires o amor dum homem.
Bela – A aparência não importa. O que conta é o que te vai no coração. A não ser, claro, que tu sejas a rapariga.

Em resumo, trata de seres bonita, deita-te à sombra, anula-te completamente, não mexas uma palha e espera que chegue um marido rico.

Pese embora Ariel ser a que mais arrisca (e mais perde) é de facto a que mais me arrepia. E muito embora tenha sido a Cinderela quem virou Complexo psicológico, vejo tantas Ariel à minha volta e cada vez mais novinhas que certamente virou Praga.

Não entendo esta coisa do Príncipe Encantado. Como é que se pode pensar que ele chega no seu corcel branco, dá-nos um beijo e pronto, acordamos? E que coisa é essa de beijar mulheres que não estão acordadas? Isso é assédio, no mínimo. Predadores sexuais é o que eles são! Mas onde estava o príncipe quando a madrasta da Branca de Neve a mandou matar? Então e o pobre do lenhador, que arriscou a vida para a proteger e não a matou, tinha uns lindos olhos verdes e uma mercearia na aldeia? Como não tinha pedigree…

E que dizer do calculismo disfarçado da Cinderela que assim como quem não quer a coisa tratou de deixar um sapatinho nas escadas? Sonsa! Só não percebo porque é que o sapatinho não desapareceu com a última badalada da meia-noite, como tudo o resto que era falso. E para que queria ela um príncipe que dançou com ela toda a noite e depois não a reconheceu com o seu vestido sujo de cinzas? Então não é sempre para o melhor e para o pior?

A história que tem algum sumo é de facto a da Bela e o Monstro. Porque aqui não há o culto do belo como coisa física, mas há empenho em descobrir o outro, o que se esconde para lá daquele focinho de urso ou de leão, a nobreza dum coração que aprendeu a lição. A coragem de alguém que se esforçou por conquistar a sua amada. Estes de facto merecem ser felizes.

E se…

Mas se fosse hoje, onde andariam estas princesinhas? O que lhes teria acontecido?

Comecemos pelas personagens secundárias.

As fadas madrinhas da Bela Adormecida Aurora eram afinal fadas-macho e depois de tantos anos a velarem o sono da dorminhoca de vestidinhos de seda e chapéus altos com tule, viraram drag-queens. Atuam às quintas-feiras num bar vestidas de collants roxos e coletes de lantejoulas vermelhas, sempre com a varinha (de condão, oh mentes perversas!) na mão.

A fada da Cinderela anda triste, coitadinha. Não há quem a queira por ser anafada. Nem os shows das fadas lésbicas às quarta-feiras, no mesmo bar das drag-queens, a consegue animar.

Os animais pequeninos, ratitos costureiros, esquilos cozinheiros, passarinhos cantantes e afins, fugiram para parte incerta porque o cachet lhes foi pago em cascas de noz. As animálias de grande porte andam por aí disfarçadas de gente, fruto da amizade com as fadas madrinhas e do condão da varinha. Não perdem um show todas as quartas e quintas-feiras.

A abóbora que fora em tempos carruagem de estilo da Cinderela, teve uma morte anunciada: virou sopa.

Os sete anões estão a ponderar fazer greve porque nunca mais apareceram noutra história e ainda não lhes pagaram o caixão de cristal que fizeram para guardar a Branca de Neve. A ingrata também nunca mais os foi visitar.

O lenhador que a madrasta mandou perseguir Branca de neve e recolher o seu coração, emigrou para curar o seu desgosto de amor pela pequena mas virou assassino contratado e ganha balúrdios de dinheiro. É procurado pelo FBI, CIA, NSA, Interpol, Scotland Yard, antigos agentes do KGB ainda no ativo e pelo cabo Vicente da GNR por conta dum par de balázios que devia ter dado na sua sogra e não deu.

A madrasta da Cinderela e as bruxas destas histórias juntam-se todos os sábados para um joguinho de canasta. Queimaram as verrugas, puseram unhas de gel, rimel e baton, alouraram o cabelo, vestiram-se de branco, tiraram cursos de psicologia e inscreveram-se no Meetic. A madrasta já vai no centésimo décimo terceiro encontro. A seguir vai defender a sua tese sobre os tipos psicológicos encontrados no site.

E o espelho mágico acabou enfiado numa casa de banho ao estilo rococó num bar; perdeu o pio com o que vê todas as quartas e quintas-feiras no show das fadas.

Então e as princesinhas?

A Branca de Neve enjoou as maçãs. Criou oito filhos dum príncipe deposto, gordo e barbudo que passa o dia a beber hidromel e a ver televisão. Está seriamente a pensar em procurar o lenhador apaixonado, que soube que enriqueceu, para o regenerar e recomeçar nova vida num paraíso fiscal. Enquanto isso, refugia-se no absinto e põe Xanax no hidromel do outro para que ele a deixe mudar de canal e ver a novela.

A Cinderela atirou com o sapatinho de cristal ao chão quando limpava o pó à lareira (continua com um fetiche por cinzas e lareira). Comprou uns Christian Louboutin de 400 euros (em supersaldos, obviamente), aqueles de sola vermelhinha, mas usou-os tanta vez que lhe fizeram calos e passou a usar botas Huggies (que comprou em saldo também). Divorciou-se do seu príncipe e levou-lhe metade dos bens. Mas agora só compra sapatos aos ciganos na feira de Azeitão.

A Bela Adormecida está prestes a ficar sozinha. Ao princípio era engraçado vê-la dormir. Mas agora, que os dentes estão num copo, ressona e pesa mais de cem quilos e ainda se baba, o seu príncipe está farto e vai trocá-la por uma Barbie de última geração, ou uma daquelas bonecas insufláveis que pode pôr a secar na varanda ou pendurar no estendal.

Oficialmente, a Rapunzel está num lar a curar as dores de cabeça por causa do príncipe ter subido todas as noites agarrado ao seu cabelo. Na verdade, está disfarçada na Alemanha a comandar hostes financeiras.

A Capucinho Vermelho está uma solteirona empedernida e também se inscreveu no Meetic e no outro site para pessoas casadas que querem fazer chichi fora do penico, perdão do matrimónio, com sigilo absoluto. Ela quer lá saber, já está por tudo, quer é deixar de ser solteirona, senão qualquer dia nem os lobos lhe ferram o dente.

A princesa Tiana do príncipe-sapo está separada. Ainda não se divorciou porque… é complicado. Anda por aí a beijar sapos, bodes, grilos, crocodilos e afins. Pode ser que tenha sorte. Também tentou os lobos, mas levou um murro num olho do Capuchinho Vermelho e agora evita a floresta. Continua em busca dum beijo que lhe salve a vida (Ai, quem não anda…).

E aquela coisa pequenina, ciumenta e irritante, amiga do Peter Pan, a Sininho, anda a fazer minicursos de auto-estima para ver se cura a depressão. Já mandou o Peter-Pan, eterno criançola, para aquela parte da Terra do Nunca. Está a pensar em juntar os trapinhos com o Capitão Gancho que tem uma boa reforma da Caixa dos piratas e malfeitores.

Depois duns tempos no hospital e de uma centena de sessões de fisioterapia, a Bela conseguiu recuperar. Sim que isto de dançar e namorar com um monstro tem que se lhe diga. Lá estão, agarradinhos e ainda namorando, embora ela ainda apareça com umas nódoas negras de vez em quando, porque aquela besta não sabe a força que tem Mas a crise também chegou ao castelo e estão a pensar vendê-lo a um consórcio chinês para turismo rural, comprar uma cabana na floresta e continuar a namorar sentados no alpendre. São felizes. Aliás, serão felizes para sempre.