quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

As almas partidas

Almas gêmeas.
A minha geme e a
outra não se acalma.

Rogério Viana



Há alguns anos, mal a minha filha sabia falar, muito menos contar ou ter a noção dum valor numérico, disse-me ao ouvido que já gostava de mim há dez mil anos.

Quantas vezes me virei na rua para voltar a olhar alguém que sei que não conheço mas que reconheci? Andei anos a querer visitar uma determinada cidade do outro lado do mundo, sem saber porquê, o que me atraía, o que me chamava. Quando lá cheguei, reconheci lugares e senti-me como quem regressa a casa.

De onde nos vêm estes sentimentos, estas emoções súbitas e desconhecidas?

Há quem diga que o nosso destino é traçado muito antes de nascermos, por nós próprios e por aqueles que amamos. Cada uma de nossas vidas é uma lição. Nossa ou dos outros. Nem sempre conseguimos perceber qual o intuito de algumas das perdas, das lutas e das dores por que passamos. Nem sempre entendemos que, por cada buraco que nos escavam no coração, importa celebrar o vazio e que o nosso dever é aprender a preenchê-lo, seja com saudade, seja com amor e entrega à vida, aos restantes segundos que ainda temos por viver.

Sejamos os professores ou os aprendizes, a verdade é que acredito em almas gémeas, pedaços de nós. Acredito também que temos mais do que uma e que amamos a todas de forma diferente com um mesmo amor, como se a nossa alma original tivesse sido partida em vários bocados e fossem lançados na vida como sementes, com tempos de germinação diferentes, com tempos de vida distintos. De vez em quando, encontramo-nos com uma ou com outra, ou com várias. Lutamos, discutimos, amamos, ficamos juntas, viramos costas, somos pais, filhos, amantes, tudo no mesmo processo kármico. Almas gémeas reconhecem-se. Em trinta segundos? Talvez menos, talvez mais.

Quando eu nasci, mandou um anjo que eu me esquecesse de todos os meus pedaços de alma. Colocou um dedo sobre os meus lábios e pediu silêncio. Guardo nos lábios a marca do seu dedo, mas não cumpri o que prometi. Não esqueci. O anjo esqueceu que o coração dá um nome às coisas na despedida. E que nos reencontros da vida, enche-se a alma do nome do ser amado e o passado, o presente e o futuro convergem num mesmo instante.

Desobedeci. Dei um nome ao último beijo, ao último abraço, à última palavra que os meus pedaços de alma me deram na despedida, antes de nascer. Eis que um surge do nada, e que tudo começa... Não, que tudo recomeça por brincadeira, por acaso ou premeditação. E às vezes trinta segundos bastam para reconhecer alguém que nos recusámos a esquecer.



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