quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

30''

O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que tem medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é eterno.

William Shakespeare
 
 
 
Há alguns meses atrás, alguém me perguntava: o que é que podemos fazer em trinta segundos? O que nos pode acontecer em trinta segundos? Não parece muito tempo, pois não? É mais um exemplo da teoria da relatividade. Experimentem suster a respiração durante 30 segundos. Experimentem sentar-se no bordo duma lareira acesa. Ou então conversar com alguém interessante, mergulhar em água quente depois de encharcados pela chuva, durante 30 segundos. Aposto que o vosso conceito de tempo diverge numa e noutra situação.


O que é que podemos fazer em trinta segundos?

Correr 100 metros.
Saborear um copo de vinho.
Fazer uma sandes.
Partir um braço.
Ir à casa de banho.
Fazer um café.
Ter um choque de emoção ou de susto.
Ter um ataque de asma.
Detonam bombas em trinta segundos.
Nascem bebés em trinta segundos.
Doenças são transmitidas.
Há um tremor de terra algures.
Pintar as unhas.
Parar de lutar?
Abraçar alguém.
Há uma descarga de adrenalina em 30 segundos.
Em 30 segundos, escrevemos uma frase dum poema.
Fazer um desenho.
Afagar um animal.
Agradecer.
Salvar uma vida.
Tirar uma vida.
Plantar uma árvore.
Mundos colidem em trinta segundos.
Pessoas também.
Cai um meteorito em 30 segundos.
Olhos caem nos olhos.
Dá-se um beijo.
Apaixonamo-nos.

É a mão do destino? Uma nova oportunidade? A foice de Deus talhando a vida das suas marionetas? Um cupido tosco e atrevido? Um anjo brincalhão entrelaçando caminhos?

A nossa vida pode mudar em trinta segundos. Ou até em menos. As vidas são feitas de muitos segundos. A minha já ultrapassou um bilião. Infelizmente, a maioria de nós não ultrapassará os dois biliões e picos. E o que é que fizémos de todos estes segundos que já vivemos? Mais importante ainda, o que é que retendemos fazer com os que nos restam?As vidas são feitas de muitos segundos. E apenas uns poucos são precisos para fazer a diferença numa vida.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

As almas partidas

Almas gêmeas.
A minha geme e a
outra não se acalma.

Rogério Viana



Há alguns anos, mal a minha filha sabia falar, muito menos contar ou ter a noção dum valor numérico, disse-me ao ouvido que já gostava de mim há dez mil anos.

Quantas vezes me virei na rua para voltar a olhar alguém que sei que não conheço mas que reconheci? Andei anos a querer visitar uma determinada cidade do outro lado do mundo, sem saber porquê, o que me atraía, o que me chamava. Quando lá cheguei, reconheci lugares e senti-me como quem regressa a casa.

De onde nos vêm estes sentimentos, estas emoções súbitas e desconhecidas?

Há quem diga que o nosso destino é traçado muito antes de nascermos, por nós próprios e por aqueles que amamos. Cada uma de nossas vidas é uma lição. Nossa ou dos outros. Nem sempre conseguimos perceber qual o intuito de algumas das perdas, das lutas e das dores por que passamos. Nem sempre entendemos que, por cada buraco que nos escavam no coração, importa celebrar o vazio e que o nosso dever é aprender a preenchê-lo, seja com saudade, seja com amor e entrega à vida, aos restantes segundos que ainda temos por viver.

Sejamos os professores ou os aprendizes, a verdade é que acredito em almas gémeas, pedaços de nós. Acredito também que temos mais do que uma e que amamos a todas de forma diferente com um mesmo amor, como se a nossa alma original tivesse sido partida em vários bocados e fossem lançados na vida como sementes, com tempos de germinação diferentes, com tempos de vida distintos. De vez em quando, encontramo-nos com uma ou com outra, ou com várias. Lutamos, discutimos, amamos, ficamos juntas, viramos costas, somos pais, filhos, amantes, tudo no mesmo processo kármico. Almas gémeas reconhecem-se. Em trinta segundos? Talvez menos, talvez mais.

Quando eu nasci, mandou um anjo que eu me esquecesse de todos os meus pedaços de alma. Colocou um dedo sobre os meus lábios e pediu silêncio. Guardo nos lábios a marca do seu dedo, mas não cumpri o que prometi. Não esqueci. O anjo esqueceu que o coração dá um nome às coisas na despedida. E que nos reencontros da vida, enche-se a alma do nome do ser amado e o passado, o presente e o futuro convergem num mesmo instante.

Desobedeci. Dei um nome ao último beijo, ao último abraço, à última palavra que os meus pedaços de alma me deram na despedida, antes de nascer. Eis que um surge do nada, e que tudo começa... Não, que tudo recomeça por brincadeira, por acaso ou premeditação. E às vezes trinta segundos bastam para reconhecer alguém que nos recusámos a esquecer.