terça-feira, 5 de novembro de 2013

Perfeito! Ideal, ou outra pessoa no horizonte...

Após 10 anos de vaguear pelo mundo fora, um homem, resolveu voltar à sua aldeia natal.
Um velho amigo que o reconheceu, imediatamente lhe perguntou curioso:
- Então, pá, encontraste a mulher perfeita nas tuas andanças?
O homem respondeu, sonhador, a memória perdida algures:
- Lá no sul encontrei uma mulher linda, com olhos de pérolas, cabelo de trigo e sereia, o corpo de uma deusa.
O amigo, entusiasmado, perguntou:
- E então, onde está ela, veio contigo?
- Infelizmente não era perfeita, pois era muito pobre. Não era a mulher ideal para mim
- Oh. E então?
- Então fui para o norte e encontrei uma mulher que era a mais rica da cidade. Era tudo dela.
Não tinha nem noção do poder e dinheiro que tinha.
- Então essa era perfeita. Veio contigo?
- Não, também não, - respondeu o homem, - tinha um defeito. Sabes, nunca tinha visto criatura mais feia em toda a minha vida...
- E depois? – insistiu o amigo já com algum desânimo.
- Finalmente, rumei a oeste e conheci uma mulher encantadora. Bela como uma sereia e tinha muito dinheiro. Era perfeita.
- Ah então ela veio contigo, já não a largaste mais, não é amigo?
- Não. Porque, infelizmente, ela também procurava o homem perfeito.





Encontrei esta história na net há algum tempo e achei-a… perfeita. Quase nem era necessário dizer mais nada sobre a incessante e infrutífera busca do ser humano pelo outro ser humano perfeito e ideal que encaixa em si. Com perfeição.

Muitos desperdiçam a vida nessa busca. Tenho para mim que não há pessoa mais infeliz que aquela que passa o tempo com a cabeça voltada para olhar por cima do ombro à procura do seu ideal e não vê o que tem na sua frente, e muitas vezes ignora quem está ao seu lado. Enquanto isso, a vida acontece-lhe.

Mas o que é o ideal? Quem é a pessoa perfeita senão um protótipo, uma ilusão, uma imagem surrealista que a mente criou, quiçá à imagem de si própria, ou de alguém que foi amado e por algum motivo saiu da sua vida sem dizer todas as palavras que deviam ser ditas?

Na maioria das vezes, quer numa, quer noutra situação, o ideal é deceção. E aqueles que buscam nem sequer dão uma chance a um novo relacionamento, a uma nova pessoa que possa aparecer. Esse ideal é tão pesado, tão prepotente na sua existência mentalizada, memorizada e intrinsecamente idealizada, que invariavelmente nem deixa continuar o que mal começou. O ideal é uma armadura, do mais puro ferro, que mesmo pesado e ferrugento os isola da realidade. Da realidade exterior e da sua própria realidade.

Voltam o rosto para todos os pontos cardeais na sua busca incessante. Iludidos de que a qualquer momento a tal pessoa certa, vai pular a cerca e chocar com eles. Não podem perder tempo com mais ninguém, têm de estar disponíveis para a sua princesa ou príncipe encantado. Passam a vida a saltitar de relação em relação com a mesma elegância e suavidade com que um elefante saltaria de nenúfar em nenúfar.

Ao primeiro problema, enfastiam-se, porque não sendo a pessoa ideal, todos os contratempos são irresolúveis, muros insuperáveis que com a sua musa/fauno encantado nunca teriam. Por isso, aquela é a pessoa errada. Rompe-se mais uma relação sem perceber que o errado é apenas diferente e não há tempo nem paciência para conciliar diferenças, porque a pessoa ideal está ali na esquina à espera e lá vão por ela, na sua senda quixotesca, deixando atrás de si e levando consigo nada mais que frustração e desilusão. Às vezes voltam para trás. Mantêm relacionamentos do tipo “vou ali e já venho, na verdade vou só ver se aquela/e é melhor do que tu, e se não for, volto e depois logo se vê”. Ou então, passa o pouco tempo de permanência numa relação a tentar anular a personalidade do outro/a e a fazê-la renascer como fénix, ideal e perfeita/o. Porque o cabelo precisa dum corte e doutra cor, porque se tem vestir desta e daquela maneira, porque tem de fazer o que ele/a diz sob pena de amuar, porque é gorda/o ou magra/o demais, porque tem de o/a acompanhar a todo o lado, quer lhe interesse quer não, claro que tudo isto sempre no interesse do outro, para que ele melhore. Não interessa onde ficou aquela personalidade cativante que inicialmente lhes chamou a atenção. O que é preciso é que seja igual àquela imagem idolatrada que colocamos num pedestal da memória.

- Vida própria? Qual vida própria? Então o ideal não é estar sempre juntos? Ah, não? Então adeus que não és o meu ideal!

E aquele/a que fica para trás ou se deixa enganar numa relação iô-iô acaba mergulhado, atolado, afogado em baixa auto-estima, porque pior do que saber que não se é a pessoa certa para alguém, é saber que, algures, em algum horizonte por mais longínquo que seja, há alguém melhor que nós para aquele/a que amamos.

Chega! Nós os que ficamos para trás temos de ter a coragem e o discernimento de dizer basta, de gritar não! Porque somos reais de carne e osso e não viemos de nenhum conto de fadas ou de alguma imaginação fértil e delirante. Porque amamos e nos emocionamos, porque temos defeitos e virtudes mas estamos ali, no aqui e agora e não num horizonte distante, ou num qualquer vislumbre por cima do ombro. É a nossa mão que ampara a deles, o nosso abraço que os sustenta, somos palpáveis, não desenhos animados. E porque merecemos que nos vejam como somos e quem somos.

Aquele/a que busca um ideal, não tem amor para dar, quem sabe amar não idealiza o outro, não o mistifica. Aquele/a que busca um ideal apenas se frusta a si mesmo e perde a vida que passa indiferente. Porque aquele/a que busca o ideal também não é perfeito para ninguém e no seu horizonte não há musas nem faunos encantados, apenas a solidão estéril aguarda. E um coração deserto.







Sem comentários: