segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Parábola das asas

Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
.../...

Chico Buarque

O anjo ajoelhou-se aos pés de Deus e disse:
- Senhor, visitei a Tua criação como me pediste, Fui a todos os cantos do mundo. Observei cada uma das Tuas crianças humanas …
Deus olhou para o anjo e percebeu no seu rosto o que as suas palavras omitiam.
- E o que é que te intriga? O que foi que te incomodou?
- Não compreendo uma coisa, Senhor… Porque é que cada uma das pessoas sobre a terra tem apenas uma asa? Nós, os anjos, temos duas... Podemos chegar até ao amor que o Senhor representa sempre que desejarmos. Podemos voar com toda a liberdade sempre que quisermos. Mas os seres humanos, com uma única asa, não podem voar. Toda a liberdade e todo o mundo para verem e os seus pés não se levantam do chão… Desculpa a franqueza, mas parece uma ironia… Um desperdício. Eles nem sabem...
Deus na brandura da voz, respondeu pacientemente ao anjo:
- Sim, eu sei disso. Sei que fiz os humanos com apenas uma asa.
Mas o anjo queria entender. Não se conformava com uma resposta tão lacónica e insistiu:
- Mas porque Deste aos homens apenas uma asa quando são necessárias duas para poder voar, para poder ser livre?.. E há ainda outra coisa… As asas dos anjos são todas iguais entre si, as dos humanos são diferentes… Tão bonitas, plumagens coloridas, e eles ignoram…
Deus não teve pressa de falar. Sorriu condescendente. Naquele dia tinha-lhe calhado um anjo argumentador.
- Eles podem voar sim, meu Anjo. Dei aos humanos apenas uma asa para que eles pudessem voar mais e melhor que Eu ou Vocês, e todos os meus Arcanjos. Para voar, meu amigo, precisas das tuas duas asas... Mas embora tenhas toda a liberdade do mundo, na verdade, estarás e voarás sempre sózinho. Como Eu...Mas os humanos... Os humanos precisarão sempre de dar as mãos a alguém a fim de terem as duas asas. Cada um deles tem na verdade um par de asas, uma outra asa igual à sua, em algum lugar do mundo noutro alguém que completa o par. Mas isso nunca os impedirá de voar com outro par de asas diferentes, para que aprendam que a diferença não se mede pelo colorido da plumagem, mas pela grandeza do coração. Assim, dei-lhes a possibilidade de aprenderem a respeitar-se, pois ao quebrarem a única asa de outra pessoa podem estar acabando com suas próprias chances de voar algum dia. E assim meu Anjo, eles têm também a liberdade de escolher aprenderem a amar verdadeiramente outra pessoa, seja esta a que tem a asa igual à sua ou amando alguém diferente, aceitando as diferenças... Aprenderão que somente amando, eles poderão voar. Tocando a mão de outra pessoa, num abraço afectuoso, sincero, eles poderão encontrar a asa que lhes falta e voarão. Mas somente através do amor. E assim, eles nunca estarão sozinhos, quando forem voar.

Que possamos encontrar todos uma outra asa, para podermos voar!

(Adaptação duma parábola de autor desconhecido)

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