quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Assustador

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Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!
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Mateus 6.22-23



Este mundo pode ser um lugar aterrador!
Sem ninguém á nossa espera quando regressamos a casa com a solidão cosida à pele, como uma máscara, que aa mãos já não têm força para arrancar.Sem ninguém que se preocupe porque nos atrasámos. Sem ninguém que nos conheça e se importe connosco. O próprio mundo ignora que existimos e, se por acaso não o ignora, está-se definitivamente nas tintas para a nossa existência.
Este mundo pode ser um lugar aterrador! Sem ninguém a quem dizer boa noite, ou bom dia, falar da vida da vizinha do último andar, ou mesmo ficar lado a lado em silêncio, com a cumplicidade dos companheiros de jornada.
Este mundo pode ser o lugar mais aterrador que existe! Sem um lugar para regressar ao fim do dia. Sem saber se se vai ter uma malga de sopa, ou mesmo só uma concha de água quente para aconchegar o estômago, enganar a fome e aquecer a alma. Ou uma manta para abafar o vento frio do inverno. Ou uma boca de metropolitano para que o corpo absorva o ar quente dos subterrâneos e das máquinas de aço e ferro.
As pessoas deste mundo também são assustadoras! Sem que um só da multidão que passa por nós nos pergunte porque choramos, se estamos bem, ou sequer páre a sua marcha apressada para nos levantar do chão. Noites passadas na escuridão, debaixo duma ponte, ou num vão de escada, à mercê dos nossos medos ou dos que gostam de se divertir á custa dos mais fracos, as horas a partilhar o lixo dos outros com os animais abandonados... Assustador, não é?
Estar-se nas tintas para a dádiva da vida é bom quando estamos no abrigo do conforto das nossas casas, da nossa família e dos nossos amigos, com os nossos problemas quotidianos. Desejar a morte também é bom quando tgemos os olhos voltados do avesso, a verem para dentro, vendo quão miserável é a nossa vida e que enormes e insolúveis são os nossos problemas. Vamos a correr (bom, alguns de nós) quando um amigo nosso a 200 km de distância partiu uma perna a fazer sky, mas ali na esquina mais próxima, um velho foi maltratado para lhe roubarem a mísera pensão, e ninguém acudiu aos seus gritos. Medo, covardia? Não interessa. Vivemos em redomas de indiferença porque o mundo é assustador!
Hoje uma mulher chorava convulsivamente á beira-rio. Passaram por ela famílias felizes (eu quero crer que eram felizes!), desportistas de fim de semana, pescadores pachorrentos com todo o tempo do mundo. Todos a olharam. Nenhum teve um minuto para se aproximar e lhe perguntar porque chorava ou se precisava de ajuda. E quando finalmente alguém sacudiu a covardia e a indiferença e se incomodou com o choro e lhe perguntou se podia ajudar, ela abriu os seuis enormes e bonitos olhos, de espanto e de dor. Incrédula. O marido tinha-a posto fora de casa, acompanhado pela sua amante fatal, a bebedeira que todas as noites o transformava numa besta desumana. Já era costume. E tinha para onde ir? Ah, aquilo passava-lhe ao fim dumas horas e depois ia à sua procura com mil e uma desculpas. Ela é que já estava farta e apeteceu-lhe chorar ao pé do rio.
Se todos nós concordássemos em juntar numa grande e única pilha todos os nossos problemas, angústias e dores e depois repartissemos equitativamente esse monte por todos, decerto a maioria se contentaria em retirar de lá exactamente o que lá tinha colocado. Isto não é assustador?

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