segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Desabafo de mim em desassossego

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Devastada era eu própria como cidade em ruína
Que ninguém reconstruiu
Mas no sol dos meus pátios vazios
A fúria reina intacta
E penetra comigo no interior do mar
Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos
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porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto,
sem jamais perderem o fio de linho da palavra.
 
Sophia de Mello Breyner
O Minotauro


Sou pelo desassossego.
De-sa-sso-sse-go. É uma palavra interessante. Parece linguajar de serpente. Serpentês, como diria Harry Potter. É misteriosa, difícil e comprida. A língua quase não sai do mesmo sítio mas os lábios têm que se mexer várias vezes para conseguir pronunciar uma palavra destas.
(Já consegui que uma série de pessoas pronunciassem desassossego).
O desassossego espevita-nos, incomoda-nos, faz-nos pensar. O primeiro desassossegado era mestre, o guru da Rua dos Douradores, e escondia-se atrás dum heterónimo mais duro do que a sua própria vida.
Sou pela rebeldia. Detesto rebanhos, ovelhas e multidões. O colectivo é normalmente estúpido, pensando quase sempre pela cabeça que vai à frente, com a força bruta e cega de todos os que vão atrás. Receio mais um grupo de ovelhas comandadas por um leão que um grupo de leões comandados por uma ovelha, como diria Alexandre, o Grande. Pura verdade! Quero lá saber se às vezes faço papel de tola. Com o tempo que vamos durando na vida, aprendemos a não ligar às figuras que os outros acham que fazemos, ao julgamento alheio. Felizmente! Os outros não vivem a nossa vida. E enquanto estão embasbacados a olhar, comentar, rir ou a abanar a cabeça, espiolhando a nossa vida, a vida deles é o que lhes acontece. E quando derem por ela, já foi!
Há um dia em que acordamos e perguntamos onde raio é que deixámos os sonhos, assim como quem procura os óculos perdidos algures. E percebemos que o que sonhámos talvez não tivesse a importância que lhe atribuímos, ou que então está na hora de começar a lutar por aquilo que realmente é importante para nós. Isso é desassossego.
Às vezes gosto de pôr tudo em causa. Para perceber se o que sou, o que tenho e por onde caminho são realmente as minhas escolhas certas, aquelas que o coração voltaria a escolher de novo, mesmo que a cabeça proteste. Porque vamos pelo coração. Sempre! Desenganem-se os que vão pela lógica ou por interesse. Um dia descobrirão que estão perdidos, que se perderam em busca do sossego. Sou pelo desassossego que nos dão as escolhas do coração. Aquelas escolhas que nunca sabemos se vão dar certo na vida, se vamos sofrer com elas. Mas há outra forma de viver? Se não cair, nunca saberei se as minhas pernas são capazes de se levantarem e caminharem de novo. Se não sofrer, nunca saberei dar o devido valor à felicidade. Se não chorar, como vou saber o valor dum sorriso? Se não amar por ter medo de perder, como é vou saber se aquela era a mão que cabia na minha?
É assim gente, desassosseguem-se! E se quiserem continuar a atravessar o deserto, ao menos levem algumas sementes no bolso, para plantar um oásis.

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